Desta vez, pensei em escrever sobre um tema mais popular mas que igualmente revela o modo de viver do japonês – uma faceta que muito pouco conhecemos no Brasil.
À parte sushis, sashimis, teppanyakis e missoshirus que, acreditamos, seja a base da dieta no Japão, a comida japonesa do dia-a-dia pegaria desprevenido qualquer gaijin brasilieiro que desembarcasse no Aeroporto Internacional de Narita, perto de Tokyo. Gaijin「外人」significa algo como o nosso “gringo” e é uma abreviação da palavra “gaikokujin”, “estrangeiro”「外国人」- formada pelos caracteres “fora, externo”, “país” e “pessoa”. É engraçado notar que, quando se fixa residência no Japão, o gaijin recebe o RG japonês em que está escrito, em inglês, Certificate of Alien Registration. Bem-vindo à comunidade Alien, Alienígena-san.
Então, independentemente de ser um Alien ou apenas, genericamente, gaijin, pode-se escolher uma refeição entre os mais de 180 mil restaurantes, bares e lanchonetes que existem em Tokyo. Em tempo, a cidade de Edo, que a partir da Era Meiji (1868-1912) passou a chamar-se Tokyo, foi escolhida pelo shogunato Tokugawa para ser a nova capital administrativa do país, substituindo a velha capital de Kyoto. Kyoto, aliás, literalmente significa “capital” 「京都」 e Tokyo, “capital do Leste”「東京都」- nota-se que o segundo e terceiro caracteres em “Tokyo” correspondem aos mesmos caracteres de “Kyoto”. Na verdade diz-se Tookyoo-to, porque o último “to” enfatiza o status de capital política e administrativa do Japão. A título de curiosidade, Pequim, ou Beijin, na China, escreve-se 「北京」, “norte” e “capital”.
Como íamos dizendo, a cidade de Edo 「江戸」tornou-se a nova capital do Japão devido a uma manobra política do shogun Tokugawa Ieyasu, então governante do Japão. Para evitar conflitos entre os diversos daimyo, ou senhores feudais, que governavam os diversos feudos, foi criado um sistema rotativo chamado sankin kootai, ou “residência alternada”, em que os daimyo deveriam passar um ano morando em Edo e um ano nos seus feudos, mantendo suas famílias em Edo. Assim não haveria tempo e dinheiro para o planejamento de manobras políticas que colocassem em risco o governo central do shogun. Já nessa época, aliás, com a ascenção da classe samurai ao poder, o Imperador perdeu o poder político e passou a desempenhar uma função apenas simbólica, que mantém até hoje. Com a vinda das famílias dos daimyo para Edo, a cidade que até então havia sido uma vila de pescadores, de repente teve que providenciar serviços e entretenimento para a corte do shogun e para os daimyo, com todo o seu séquito administrativo. No primeiro quarto do século XVIII, Edo já era a maior cidade do mundo, com mais de um milhão de habitantes. Assim nasceu a vocação de Tokyo para o entretenimento: restaurantes, casas de chá, geishas, cortesãs, músicos, teatro Kabuki, etc. Essa vocação pode ser vista em ilustrações de Ukiyo-e, arte de xilogravura que floresceu ao longo da cultura do chamado “Mundo Flutuante” de Yoshiwara, região a nordeste de Tokyo, onde houve, por 400 anos, um bairro legendário de prostituição, frequentado pela classe média abastada.
Diversos artistas que praticavam o ukiyo-e 「浮世絵」, palavra que significa “ilustrações do mundo flutuante”, como Utamaro e Hiroshige, dedicaram-se a temas relacionados à diversão e ao entretenimento: Utamaro foi o mestre da representação de bijin 「美人」, ou mulheres bonitas, tendo inclusive continuado a antiga tradição do gênero erótico, chamado shunga「春画」.
Hiroshige tornou-se famoso por representar o dia-a-dia dos habitantes de Edo, tendo criado várias séries de gravuras, como as “Trinta e três estações de Tokaido”, as “Trinta e seis vistas do Monte Fuji”, entre outras. Uma das características mais marcantes de Hiroshige é a maneira como ele representa as imagens sob uma perspectiva nada convencional, como se vê, por exemplo, em “Massaki of Suijin Shrine”.
Semana que vem vamos terminar esse texto falando sobre a comida do dia-a-dia no Japão.