Olá pessoal, estamos de volta após um período de recesso com as apresentações e defesas de final de ano no doutorado. Foi tudo muito jóia, apesar da correria, dever cumprido e agora, de férias, vamos lá retornar ao nosso pensamento sobre moda, comportamento, arte, tecnologia e vida cotidiana.
Estava reparando esses dias nessa sequência toda de lançamentos de novas tecnologias de imagens, primeiro com as tvs digitais e, a partir desse ano, com a chegada das tvs 3D. Aqui no Japão (hm, agora estou em Taiwan, mas logo chega aqui também) já estão lançando celulares e câmeras digitais 3D e, se não me falha a memória, também games portáteis 3D.
Bem, isso nos faz pensar no conceito pós-moderno, segundo alguns já caduco e ultrapassado, de hiper-, meta-realidade, de uma realidade mais perfeita que o mundo real – algo como provar uma maçã e achar que ela tem sabor de suco artificial de maçã, quando o contrário deveria ser a norma. No caso das tecnologias digitais, creio que essa busca por um hiper-realismo na representação de imagens possa ser interpretada sob o ponto de vista da Estética e da História da Arte.
Analisando brevemente o curso seguido pela Arte no Ocidente, vemos que a Arte reflete as concepções de mundo de cada sociedade ao longo do tempo, quer dizer, as relações do Homem com o espaço, com suas idéias de Deus e transcendência, os papéis sociais e diferenças entre homens e mulheres, e entre Homem, o Divino e o Poder.
As formas mais primitivas de expressão visual foram as pinturas parietais dos períodos Neolítico e Paleolítico, que não podem ser chamadas de Arte, em si, no sentido moderno que entendemos no Ocidente, pois eram uma forma visual de representação mágica e ritualística desprovida, na sua essência, de um sentido estético, apesar deste, aos nossos olhos de agora, estar presente na pureza e singularidade de suas linhas e formas.
Partiu-se então de uma forma de expressão visual que refletia uma concepção de mundo baseada em rituais mágicos, evoluindo para uma arte utilitária, anedotal e fantástica com o surgimento das antigas civilizações no Oriente Médio. Daí, com o Cristianismo, para uma arte religiosa inicialmente evangelista e catequizadora, de certo modo pura e ingênua, seguindo-se uma certa degeneração medieval, a exarcebação de uma religiosidade carnavalesca, baseada na deformação maneirista, nas transformações, desfigurações e exageros formais do Barroco.
Então, para uma Arte de cunho cientificista, sob inspiração do Renascimento, com os artistas-cientistas, como Da Vinci e Duerer, as origens da perspectiva linear, etc. Com a evolução da ciência, a arte vai se alternando entre idealista e realista, lírica e anedotal. Além disso, com as mudanças das formas de Poder, de Imperadores para Reis e para formas progressivamente mais humanistas, as relações dos Homens com Deus também se tornam mais relaxadas, conforme o Homem vai adquirindo conhecimentos científicos e mudando sua relação com a própria Natureza – de lírica contemplação pastoral para a exploração sistemática de recursos naturais.
Exemplo disso está na evolução do gênero dos Retratos: no início, Deus não tinha forma e os homens eram representados de modo extremamente abstrato, como no citado período Paleolítico; com o tempo, Cristo tornou-se a representação da materialização de Deus em forma humana e assim evolui-se para a idéia de um homem perfeito, qual Cristo, feito à semelhança de Deus. Progressivamente a representação da imagem do Homem torna-se fotográfica, também ao longo da evolução das técnicas e materiais de pintura – principalmente da tinta à óleo, que permitiu-se trabalhar com finas camadas (veladuras) de tinta, assim meticulosamente construindo transparências sobre transparências.
Se, no início, apenas ao poder político e religioso permitia-se ter um rosto imortal, no século XVII já o burguês, o rico comerciante podia contratar os serviços do atelier de um Rembrandt. Mais do que isso, o próprio Rembrandt irá explorar o gênero dos Auto-Retratos ao longo de sua vida, assim registrando sua própria evolução e decadência físicas e econômicas, sua própria mortalidade, como se assim registrasse a marcha do tempo de toda a humanidade.
Porém, a democratização do acesso à imortalização da própria imagem virá apenas com o surgimento da fotografia, ao longo do século XIX. A partir daí, a concepção de Arte no Ocidente não será mais a mesma: não mais a busca de uma representação fiel da imagem do homem e do mundo ao seu redor, determinada por considerações estilísticas e técnicas. A Arte está livre para ser pura expressão subjetiva do artista, se não mais dependente do aval de instituições oficiais, no início ainda dependente do apoio de comunidades e círculos de artistas que romperam com o sistema, como os Impressionistas franceses, os Expressionistas Alemães, os Cubistas, etc.
Apesar da Arte ainda depender de um establishment intelectual que define o que é e o que não é Arte, bem se pode entender Arte como pensou o famoso designer norte-americano Milton Glaser: Art is Whatever (Arte é qualquer coisa). O escultor romeno Constantin Brancusi, nos idos do Modernismo, diante de uma hélice de avião exibida na Exposição Internacional de Paris dirá ser a hélice tão bela, esteticamente, quanto qualquer escultura clássica. Quer dizer, segundo Glaser, nós decidimos o que seja arte ou não, apesar da opinião dos curadores dos museus, dos críticos e intelectuais, de acordo com nossa própria bagagem cultural.
Semana que vem a gente termina essa discussão, retomando o tema das tecnologias 3D e Arte, e posiciona essa busca por novas formas de experienciar o mundo proporcionada pelas novas tecnologias digitais.
Um ótimo Natal, com muitas alegrias junto da família e dos amigos!!