Vanguarda é um dos pontos de direção do futuro que poucos enxergam com antecedência. É a primeira ponta do iceberg que será o próximo espírito da época. Aquele primeiro tijolinho de uma casa que não visualizamos. Geralmente a vanguarda é encarada, pela maioria, como uma coisa estranha. A palavra vem de “advanced guard”, como se designava os militares que, num campo de batalha, abriam o caminho. O termo começou a ser usado no mundo das artes, na política, nos negócios e, claro, na moda.
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Precisa ter feeling, e coragem, pra criar uma tendência, independentemente do campo: como, por exemplo, sair com um chapéu na rua que quase todos vão achar feio. E quando dois, três anos depois, todos estiverem usando aquele chapéu, o vanguardista já está sem chapéu, usando outra peça “esquisita”. O vanguardista não precisa querer se sentir à vontade com os outros.
Vanguarda é estranha pra maioria porque ainda não é algo “consolidado”. As pessoas preferem mapear o Google antes de decidir aceitar algo. Para quem cria a vanguarda, é sempre fazer uma aposta no vazio. É um trabalho solitário.
Criadores de vanguarda ou não, o que serve para todos os seres viventes que trabalham neste mundo de hoje é ter as antenas ligadas. Mesmo que você use o “chapéu estranho” só dois anos depois do teu vizinho. Vale tentar. Porque dar de cara com a vanguarda, para quem procura, é uma delícia. É um baque. Uma chance de você se sentir agraciado, porque alguém traduz um sentimento teu. Como uma nova banda que toca exatamente aquele tipo de música que você estava precisando ouvir. Aquele novo livro que cai como uma luva na tua pesquisa.
Quem faz as coisas direito?
Meu encontro com a vanguarda aconteceu na semana passada. Algo me diz que eu já deveria ter me tocado antes. Vou tentar explicar.
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Conheci numa conferência em Milão, Rebecca Earley, diretora do Textile Futures Research Centre (Centro de Pesquisa de “Futuros Têxteis”), que faz parte da escola britânica Central Saint Martins. Ela e outros pesquisadores ingleses falaram de novos valores que estão propondo em suas escolas e em consultorias que dão para empresas de moda de peso (H&M inclusa). A cada frase que eles pronunciavam, eu sentia um contentamento interno. No geral são “novos modos de ver a moda”. Como? Pensando em várias etapas do processo todo. E etapas inclusive muito íntimas mesmo, como “rever nossos desejos”.
Como criar uma nova geração de designers que saiba trabalhar num mundo novo que ainda está sendo criado. Porque eles, os ingleses da Saint Martins, mesmo sem terem dito com todas as palavras, sabem que o mundo, do modo como conhecíamos até há pouco tempo, acabou. É preciso resgatar a coitada da nossa dignidade escondida nessa confusão. Dentro desses valores, os assuntos contemplados são os novos tipos de mão de obra, as qualidades que temos que voltar a buscar, nos produtos e nas relações, a economia que temos que afrontar e a maravilhosa tecnologia ao nosso favor.
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Esses valores falam de como e o que produzir, onde investir e o que evitar. Que matéria prima vamos usar, e como, e quem vai trabalhar comigo, e como? E por aí vai. Os questionamentos são infinitos. Mas escutá-los foi um alívio. Além da Rebecca, outra pessoas falaram nessa reunião. Anna Zegna, da Zegna e também vice-presidente da Camera della Moda; e Rossela Ravagli, do Departamento de Responsabilidade Social da Gucci.
A Rebecca me contou, informalmente, na hora do cafezinho, que um grupo do Textiles Futures Research Centre está trabalhando numa parceria com a H&M. Todo mundo está cansado de saber que, em menor ou maior grau, as empresas de fast fashion não respeitam preceitos básicos de dignidade humana e natural para funcionar. Usam matéria prima barata e poluidora, e mão de obra desvalorizada. “A H&M quer mudar o jeito de trabalhar”, me falou. Eu duvidei. Será pegadinha de marketing? “Mas, fale a verdade, é possível?”, perguntei. “Estamos fazendo pouco a pouco, criando algumas peças isoladamente nos novos moldes de produção menos impactantes para a natureza e as pessoas”, me contou. “Mas”, ressaltou, “eles têm que enfrentar metas de produção muito altas, por isso é um trabalho demorado”. Ela pareceu sincera.
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O que me deixou feliz não foi discutir se a H&M vai ou não seguir os valores inovadores da Saint Martins. O que me deixou feliz foi saber que esses valores existem, e que a palavra Sustentabilidade (evitei falar até agora), significa muito mais do que eu imaginava. Ser sustentável significa simplesmente “fazer as coisas direito”. E quase ninguém faz. Porque a indústria foi, até agora, visando lucros monstruosos, tão rápida em devorar mentes criativas e recursos naturais, que perdeu-se o pé. Muitos empresários acabaram não vendo, ou não se importando, se nosso planeta e seus moradores estão bem. “Os cientistas estão começando a admitir que as culturas tradicionais (de tribos) e seu estilo de vida eram responsáveis pela conservação da biodiversidade em seus ambientes”, diz um trecho do livro “Replenishing the Earth”, da queniana Wangari Maathai, Prêmio Nobel da Paz de 2004. Comprei esse livro há poucos dias. Descobri que ela morreu em outubro de 2011. Talvez estive cega por não enxergar que os pensamentos mais avançados hoje são exatamente os que vão por essa direção.
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Poucos dias depois desse insight recebo o convite para o segundo Fashion Summit, evento de moda sustentável criado pelo Danish Fashion Institute (Instituto Dinamarquês de Moda). Vai acontecer dia 3 de maio em Copenhagen. Nessa reunião vai ser definido o primeiríssimo “código de conduta” para as empresas de moda. Uma espécie de guia global que vai ajudar as empresas a se pautarem sobre o que é ou não legal fazer, do ponto de vista desses novos valores. É a vanguarda dando os primeiros passos para virar tendência nesse novo mundo. Ainda dá tempo de usarmos esse “chapéu” novo. Gente, sustentabilidade não é apenas ecologia, são valores novos de vanguarda!